FRANCK,
Dan. Boêmios. [trad. Hortencia Santos
Lencastre] São Paulo. Editora Planeta do Brasil, 2004
Quando pensamos na boemia raramente nos lembramos dos momentos
prosaicos como o comer, dormir, viver. A imagem do boêmio como o indivíduo que
leva a vida sempre em alta rotação é encantadora e, geralmente está correta. O problema
é justamente o cotidiano, aquele que é indiferente ao burguês, boêmio, nobre,
pobre ou miserável, como viver?
O livro de Dan Franck aborda não só o cotidiano dos escritores,
pintores, poetas e escultores que viveram em Paris nas primeiras três décadas
do século XX. O livro é extremamente interessante porque não esconde a vida que
levavam esses boêmios, mas explica, em certa medida porque não se renderam
diante de tantas dificuldades que a vida lhes impunha:
O Bateau-Lavoir [um prédio
antigo em Montmartre no qual moravam um grande número desses artistas] era uma
espécie de laboratório onde se trocavam idéias, pontos de vista, descobertas,
tudo misturado em uma extraordinária fraternidade artística de onde o ciúme,
por enquanto, e apenas nesse campo tinha sido banido. Tirando Juan Gris, mais
inseguro do que os outros, todos sabiam que um dia a penúria iria derreter
debaixo do sol do reconhecimento. Era só esperar por esse dia. E esperavam
juntos, mostrando uns aos outros as novas obras, quadros e poemas. A escola era
uma só, enriquecida por diversas linguagens. (114)
É interessante observar que Dan Franck coloca como centro desse
universo boêmio Picasso, amado por todos, que desde o primeiro momento
reconheceram sua genialidade o pintor espanhol sentia-se bem com a lisonja
coletiva da qual era alvo. Quando a adulação não ocorria, ou via em alguém um
potencial para disputar a preferência do grupo, o espanhol dava um jeito de alijar
o oponente do grupo.
Aos poucos, enquanto a primeira geração, Picasso, Gris, Braque,
vão enriquecendo, depois de terem inventado o cubismo, uma segunda geração vai
surgir, especialmente após a Primeira Guerra Mundial, levada pelo espírito da
descrença encarnado pelo Dadaísmo e Surrealismo, liderados por indivíduos como
André Breton, Louis Aragon, todos bastante cientes do seu papel e, ao mesmo
tempo, implacáveis com todos que se colocam em seu caminho ou ainda que ousem
questionar suas escolhas.
O livro é composto de capítulos curtos, que exploram cada qual
desses personagens, explicam suas vidas, suas escolhas e, em alguns casos,
justificam suas mortes. Aliás, a leitura flui sempre melhor quando feita ao
lado do computador, pois a cada tela, fotografia, nome citado seria
interessante uma busca pela imagem para que a materialização da explicação seja
mais bem digerida. Pensando bem, o único senão ao livro é a ausência de um
caderno com a reprodução das figuras mais relevantes nessa história da boemia artística
de Paris no início do século XX.
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