terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Livros: O começo de grandes livros


Como diria o grande Oscar Wilde, "só os tolos não se deixam guiar pela primeira impressão", com os livros acontece o mesmo. Um livro tem que ter um começo interessante, uma frase, parágrafo que nos cative para que, movidos pela curiosidade continuemos cada vez mais, até chegarmos ao fim da história. Abaixo seguem as primeiras palavras de alguns livros que me fizeram chegar ao final deles, e, também me fizeram retornar à leitura algumas tantas vezes, outras vezes pegar a obra para ler um ou outro trecho e, ainda, usar essas obras como exemplos em sala de aula para explicar algum momento histórico presente nessas obras.
Ainda virão outros inícios, por hora, esses bastam...

Lolita – Vladmir Nabokov – 1955


Lolita, luz de minha vida, fogo de meus flancos. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro de encontro aos dentes. Lo. Li. Ta.
Era Lo, apenas Lo pela manhã, com suas meias curtas e seu metro e quarenta e oito centímetros de altura. Era Lola em seus slackes. Era dolly na escola. Era Dolores quando assinava o nome. Mas, em meus braços, era sempre Lolita.

Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis – 1881


Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo principio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas, um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: a diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

Dom Casmurro – Machado de Assis – 1889


Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé-de-mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou poara que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.
-       Continue – Disse eu acordando.
-       Já acabei – Murmurou ele.
-       São muito bonitos.
Vi-lhe fazer um gesto de tira-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhado-me Dom Casmurro. Os vizinhos que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados deram curso à alcunha, que afinal pegou.

Ana Karenina – Leon Tolstoi – 1873/1877


Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.
Havia uma grande confusão dos Oblonski. A esposa acabava de saber das relações do marido com a preceptora francesa, e comunicar-lhe que não podiam continuar a viver juntos.

Crime e Castigo – Fiodor Dostoievski – 1868

Era um maravilhoso entardecer de julho, extraordinariamente cálido, um rapaz deixou o quarto que ocupava no sótão de um vasto edifício de cinco andares no bairro de S*** e, lentamente, com ar indeciso, se encaminhou para a ponte de K***.
Teve a felicidade, ao descer, de não encontrar a senhoria, que morava no andar inferior. A cozinha, cuja porta estava sempre escancarada, dava para as escadas. Sempre que se ausentava, via-se o moço na contingência de afrontar as baterias do inimigo, o que o fazia passar pela forte sensação de quem se evade, que o humilhava e lhe carregava o sobrecenho. Devia uma quantia considerável à locatária e receava encontra-la.
Não por covardia ou abjeção; pelo contrário. Mas havia já algum tempo que ele se encontrava num estado de excitação nervosa, vizinho da hipocondria. Isolando-se e concentrando-se conseguira não só esquivar-se da senhoria, como também de seus semelhantes.

Fausto – G. W. Goethe – 1761

Estudei com ardor tanta filosofia, Direito e Medicina, e, infelizmente até muita Teologia. A tudo investiguei com esforço e disciplina. E assim me encontro eu, qual pobre tolo, agora, tão sábio e tão instruído quanto fora outrora!
Primeiro fui assistente e em seguida Doutor, dez anos a ensinar, autêntico impostor. A subir e a descer por todos os lados. Estudantes à volta em mim sempre grudados. E chego ao fim de tudo ignorante em tudo! Coração a ferver! Para que tanto estudo! Não tenho mais saber que os tolos e doutores, nem sei mais do que os Mestres, padres e escritores. Dúvidas? Escrúpulos? De tudo já dei cabo.
Não mais me assombra o Inferno e nem mesmo o Diabo, fugiu todo o prazer da minha adolescência, não me interessa mais do Direito e a ciência, nem tampouco a tarefa árdua de ensinar, aos homens converter e tanto doutrinar.
Dinheiro não ganhei, não tenho quase haveres, nem a gloria do mundo e seus doces prazeres; por que tanto viver como se fora um cão! Apego-me à magia. É uma salvação.
Pela força do espírito e o vigor do verbo, as forças naturais, secretas e exacerbo, que com amargo esforço eu tentei revelar não conseguindo nunca a verdade alcançar. Por fim, conheço hoje, o que em todo o mundo. Existe de mais íntimo e de mais profundo. As forças criadoras, forças embrionárias, que palavras não exprimem tão tumultuárias.

A Metamorfose – Franz Kafka – 192

Quando certa manhã Gregor Samsa despertou, depois de uma noite mal dormida, achou-se em sua cama transformado em um monstruoso inseto. Esta deitado sobre a dura carapaça de suas costas, e ao levantar um pouco a cabeça viu a figura convexa de seu ventre escuro, sulcado por pronunciadas ondulações, em cuja proeminências a colcha mal podia agüentar, pois estava visivelmente a ponto de escorregar até o solo. Inúmeras patas, lamentavelmente esquálidas em comparação com a grossura comum de suas pernas, ofereciam a seus olhos o espetáculo de uma agitação sem consistência.

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